31/08/16

"Dança, Dança, Dança" - Haruki Murakami

Dança, Dança, Dança
SINOPSE:

Em Dança, Dança, Dança, Haruki Murakami continua a trajectória da 
personagem de Em Busca do Carneiro Selvagem, agora à procura do seu antigo amor que desapareceu misteriosamente do Hotel Golfinho. Nessa nova busca, o narrador, um jornalista freelancer, perde-se cada vez mais num universo de realismo fantástico, quase kafkiano, envolvendo-se com personagens verdadeiramente singulares: uma adolescente clarividente, um actor de cinema extravagante, um poeta maneta e prostitutas de luxo.
Ambientado em Tóquio, este romance aborda temas como a solidão, o amor e a efemeridade da vida e retrata uma sociedade em constante transformação, altamente consumista e regida por valores como a fama, o dinheiro e o poder. Ao som de músicas dos anos 60, 70 e 80, o narrador e os seus amigos acabam por se envolver num caso de homicídio.

"Dança, Dança, Dança" surge na sequência/continuação de "Em Busca do Carneiro Selvagem". Embora o protagonista seja o mesmo, há novas  personagens: um ator desesperado, uma adolescente com visões, uma fotógrafa de sucesso que é uma mãe ausente, um escritor sem sucesso que é um pai ausente, um pintor sem um braço, polícias, prostitutas… Em todas elas há uma mistura de realismo e fantasia, de solidão existencialista com surrealismo poético. O surreal é, aliás, um dos “recursos” que Murakami sabe usar com mestria e (quase) sem limites.

Murakami, além de escrever sedutoramente, é um escritor absolutamente inesperado. Cada uma das suas estórias é fruto de uma imaginação riquíssima, de uma ideia que, à partida, pode parecer descabida, chegando ao ponto de um leitor mais “racional” poder achar o livro demasiado longe da realidade, demasiado fantasioso.
Apesar de sair fora do padrão habitual do que se escreve, a verdade é que Murakami fala de pessoas e retrata-as de uma forma profunda. A personagem principal (tb narrador participante autodiegético) é um homem solitário, na casa dos 30. A estória inicia-se com a necessidade deste homem ir à procura da sua namorada, da qual se separou no livro anterior. Esta procura condu-lo, novamente, ao misterioso Hotel Golfinho e transforma-se numa busca espiritual de si mesmo, do sentido da sua vida e de como a há de construir.

Gostei da solidão das personagens, da estranheza das estórias, da relação sonho/realidade e das constantes referências à literatura, à música, à culinárias, às bebidas…
Gostei da escrita: simples, direta e “arejada”, num registo perto da oralidade (o narrador parece estar ao nosso lado, a falar connosco, a contar-nos as suas estórias - o recurso a “frases feitas” (por opção da tradutora?) e a um tom coloquial acentua este ar de “conversa” entre narrador e leitor). Os recursos estilísticos não são tão frequentes como noutros romances que li de Murakami, mas sobretudo as comparações continuam imensamente expressivas.

“Se existe um universo kafkiano, terá necessariamente de existe um mundo harukiano.”

My rating: 4 of 5 stars


View all my reviews

22/08/16

"Teoria Geral do Esquecimento" - José Eduardo Agualusa

Teoria Geral do Esquecimento
My rating: 4 of 5 stars

A ação principal gira em torno de Ludo – uma portuguesa que foi morar para Luanda com a irmã, que se casou com um viúvo angolano. Com a revolução, irmã e cunhado voltam para Portugal, mas ela fica sozinha, em Angola. Apavorada por um assalto mal sucedido e para evitar uma possível ocupação do apartamento onde vive, constrói um muro na porta, determinada a não sair nunca mais. O seu auto-isolamento irá durar quase trinta anos.

A forma como as estórias das várias personagem se cruzam e entrelaçam agradou-me bastante. Há vários outros personagens e estórias (ações secundárias) no livro que são, aparentemente, díspares, mas que vão se conectando à estória de Ludo com uma exatidão incrível!

Este romance é tecido, pelas hábeis mãos do autor, numa mistura de imaginação, vida real e vida coletiva de Angola, desde a independência até aos dias de hoje. Agualusa revela qualidades inegáveis como romancista. Como o próprio diz: “um homem com uma boa história é quase um rei.”

Por outro lado, este é um livro que fala sobre memória e esquecimento, sobre pessoas que foram esquecidas e outras que desejam arduamente serem esquecidas, e ainda da reconstrução de si mesmo - enquanto pessoa ou país. No fundo, não importa quem são os bons e os maus, quem vai ou não para o inferno ou para o paraíso, no final, são todas pessoas...

Ludo também me parece uma excelente metáfora para uma África que, por muito tempo, ficou presa atrás de uma parede imaginária de guerras do lado de lá e olhos fechados e indiferença do lado de cá.

A escrita de José Eduardo Agualusa não é poética, mas enlaça-nos com suavidade e acabamos por nos entregar às suas palavras com puro deleite, porque é o que recebemos dela. Ganha-se pela beleza da narrativa, pela escolha inusitada das palavras e das metáforas.

Tive sempre uma sensação positiva ao longo de todo o livro, apesar dos muitos relatos de vidas menos felizes. Deve ser um dom - é um dom - escrever cada linha e sair uma surpresa, imaginar uma estória e chegar a quem lê, arrancando um sorriso das situações mais inesperadas e por vezes de verdadeira miséria. Tratar os conflitos com alguma ironia, descrever a situação política sem os dramas do costume, resumir tudo às pessoas, à vida, ao sol que vai voltar sempre a nascer. Esperança, felicidade nas pequenas coisas, valores positivos que se revelam no meio do ódio, das guerras, dos crimes.

“Não foi para isso que fizemos a Independência. Não para que os angolanos se matassem uns aos outros como cães raivosos.” (p.152)


View all my reviews

19/08/16

"O Deserto dos Tártaros" - Dino Buzzati

O Deserto dos Tártaros My rating: 5 of 5 stars

Giovanni Drogo, protagonista da obra, é um jovem tenente destacado para a fortaleza Bastiani, na fronteira do deserto de um país que não sabemos ao certo qual é. Drogo espera cumprir aí as suas obrigações militares durante quatro meses e depois ser transferido para a cidade.
Na fortaleza, soldados e oficiais vivem à espera de um possível ataque dos Tártaros, embora haja quem acredite que tudo seja apenas lenda e que tais habitantes não existem. O que importa é que eles são uma possibilidade. É preciso que existam para a dar sentido à vida daqueles homens. É a esperança que mantém Giovanni preso àquele lugar, enquanto sonha com a invasão dos Tártaros e com a hipótese de fazer algo grandioso, ainda que possa morrer na batalha.

Drogo permanece no forte por mais de trinta anos, sem que nada de excecional aconteça. No final, acaba por adoecer e é então que, do deserto, surge finalmente o tão esperado e desejado ataque à fortaleza, embora o leitor não chegue a saber se são realmente os Tártaros ou outro povo invasor, porque o protagonista, contra a sua vontade, é mandado de volta para a cidade, a fim de restabelecer a sua saúde. Durante o regresso, aloja-se numa estalagem que encontra no caminho e enfrenta a morte próximo à janela do quarto, enquanto olha as estrelas. Assim termina o romance.

A imensidão do deserto e a vida rotineira da fortaleza acabam por contaminar o tenente Drogo, que acabará a sua vida sem nada ter realizado, “prisioneiro da própria ilusão”. O espaço harmoniza-se com o personagem: o deserto e a fortaleza tornam-se a metáfora da solidão do tenente, sempre mais voltado à contemplação que à ação.
A vida inteira de G. Drogo é marcada pela solidão: ele está sempre só, não tem amigos e parece viver “fechado em si mesmo num mundo onde as comunicações foram cortadas”, na esperança vã de se tornar um herói, caso a invasão dos Tártaros realmente viesse a ocorrer. No fundo, sente a necessidade humana de dar sentido à vida e o desejo de imortalidade através da glória (militar, neste caso).

Este é também um romance sobre o Tempo e o que com ele fazemos (ou não!) durante a nossa existência. Durante a leitura, embrei-me várias vezes do “carpe diem” horaciano. A vida é breve, há que aproveitá-la!

“(…) mesmo após o final da leitura, não se consegue evitar aquele vazio, um vazio incerto, uma pontada na alma ressoando silêncios, uma certeza de que não estamos completos.”

há livros que são lições de vida

View all my reviews

07/08/16

"A Última Palavra" - Hanif Kureishi


A Última PalavraMy rating: 4 of 5 stars

Mamoon é um famoso escritor indiano que vive em Inglaterra. Com mais de 70 anos, a sua reputação não está no melhor momento: as vendas de seus livros decaíram e sua nova mulher, Liana, tem gostos um tanto extravagantes, que tornam a vida do casal financeiramente insustentável.

Harry, jovem e ambicioso escritor, é contratado para traçar uma biografia que salve a carreira - e, sobretudo, a conta bancária - de Mamoon. Como admirador do autor, quer fazer um bom trabalho e tenta descobrir / retratar o homem por detrás do seu herói literário.

Rob, o editor da biografia, espera um livro polémico, com intrigas pessoais que gerem manchetes escandalizantes e levem Mamoon de volta à ribalta (e às vendas!).

Para levar a cabo a sua tarefa, Harry passa largas temporadas na casa de Mamoon, no campo, e terá de empenhar todo o seu poder de persuasão para entender a constelação de personagens da vida surreal de Mamoon. Os dois autores entrarão num embate pela última palavra, que será também o “debate entre a impetuosidade da juventude e as fragilidades da velhice”.

"Romance com reflexões sagazes e contundentes sobre o ofício literário, o mundo editorial e a construção de uma biografia."

View all my reviews

03/08/16

"Kong The King" - Osvaldo Medina

Kong The KingKong The King by Osvaldo Medina
My rating: 5 of 5 stars

Baseado na clássica estória cinematográfica de King Kong, mas com algumas alterações que lhe dão um ar mais atual e contemporâneo, Osvaldo Medina fez um grande trabalho com esta novela gráfica: contar uma história exclusivamente em imagens sem qualquer recurso a texto (são 148 páginas apenas com desenhos/ilustrações e sem uma única palavra). É obra!

Foi a primeira vez que li um livro assim (há leitura sem palavras?). Deliciei-me com a incrível capacidade de O. Medina para narrar visualmente uma estória. Talvez isso tenha a ver com o facto de ter “trabalhado em animação (…) tornando-se depois responsável pelos storyboards e arte conceptual de várias séries”.

Mesmo sem palavras, esta leitura não foi, de modo algum, maçadora. Uma vez terminada, apeteceu-me voltar atrás para (re)mergulhar na obra e (re)descobrir (novos) pormenores.

Para saber mais sobre a obra e o autor, ler esta entrevista: http://bongop-leituras-bd.blogspot.pt...

View all my reviews

02/08/16

"Breakfast at Tiffany's (boneca de luxo)" - Truman Capote

Breakfast at Tiffany's (Boneca de Luxo)
My rating: 5 of 5 stars

"Breakfast at Tiffany’s (Boneca de Luxo)" conta uma história de amizade entre dois vizinhos: um aspirante a escritor e uma aspirante a atriz (Holly, uma verdadeira “boneca” que não deixa indiferentes aqueles com quem se cruza).

O narrador é o vizinho de Holly, uma mulher meio tresloucada, ingénua, inconsequente, sedutora, deslumbrante, espirituosa, vulnerável, e cuja conduta, por vezes, pode roçar o reprovável. Não é clara a localização da fronteira entre a sua ingenuidade e a sua intencionalidade em criar, perante os homens que a assediam, uma imagem que a envolva, esconda e proteja. No entanto, Truman Capote leva o leitor a não julgar a protagonista, “preferindo” antes que este a compreenda.

A ação decorre em Nova Iorque, que Truman Capote descreve com a extrema simplicidade e objetividade. Não há palavras a mais, nem descrições em excesso. As personagens são bem construídas e a escrita é limpa e sem floreados (mas com muitos recursos estilísticos que espelham a genialidade literária do autor).

Foi o segundo livro que li de T. Capote e já tenho outros à espera, na prateleira. É um bom exemplo de como poucas páginas (118) são suficientes para contar uma boa história.
O livro pode ser lido de uma assentada, vontade não faltará. Não ficará a perder, caso o faça, dado o brilhantismo e o ritmo da escrita/narração da própria ação.

Conclusão: Truman Capote é um GRANDE escritor!

View all my reviews